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quinta-feira, 21 de março de 2013

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No final do ano passado fui recambiado pela chefia para uma feira internacional em Amesterdão para assistir apresentação de uma nova máquina (coisa tipo robot informático) de um nosso fornecedor alemão.

Ossos do ofício.

Não me importei, sou apreciador da cerveja alemã e também das empregadas dos bares alemães.

Atenção só bebo a cerveja e aprecio a vista.

A deslocação impunha a minha presença no aeroporto às 6:00 horas. Como resido na zona centro/norte, tive que ir pernoitar num hotel da capital da nação. Sou um animal de hábitos e rotinas constantes, comer ou dormir fora do meu meio ambiente transtorna-me. Sou um tipo organizado, gosto de ter tudo controlado e estas alterações tornam-me vulnerável. Era a primeira vez que ficava naquele hotel e não saber o rumo exacto para o aeroporto, foi motivo suficiente para ter o sono interrompido de 5 em 5 minutos.

Acordei com o som histérico do meu despertador, acompanhado do toque do telefone accionado pelo despertador automático do hotel, programado para as 5:00 horas. Duche rápido, lavagem da dentaduça, um vapor de água de colónia e pronto para zarpar. A barba feita na véspera tal como a farpela para vestir já preparada antes de me deitar, contribuíram para estar antes da hora prevista no aeroporto, com tempo para comer qualquer coisa e tomar um café triplo. (O que paguei dava para irradiar a fome no Gabão, mas não interessa para o caso).

Ultrapassado o chek-in e a barreira de segurança, onde fui revistado e apalpado por um sósia do Rambo, encaminhei-me para a zona do embarque, com o propósito de encontrar um local calmo, comodo para relaxar e pôr o cérebro a sintonizar uma frequência sem ruído de fundo.

Penso que todos já passaram por algo parecido e por isso conhecem o mal-estar em que ficamos, quando mal dormidos, estamos em locais estranhos, com a boca constantemente abrir porque o cérebro precisa de muito oxigénio para arejar e manter-nos minimamente acordados. Nos outros não sei, mas eu fico como um zombie, muito mal disposto e com a sensação que estou todo amarrotado.

E é neste estado de off-line que sou acordado pelo meu décimo sétimo sentido, como se tivesse sido atingido por uma descarga de corrente eléctrica. À minha frente aterra um mulherão (como diz um amigo brasileiro: bota mulherão nisso) daqueles de parar o tráfego aéreo. Caracterizando a espécie e utilizando a terminologia aeronáutica, diria que se tratava de um Boeing 747. Via-se que já tinha algumas horas de voo, mas continuava a oferecer óptimas, diria mesmo excepcionais, condições para um voo de longo curso, tipo intercontinental.
A coisa era boa vista de qualquer lado e estava imaculadamente apresentável, tanto no vestuário, como nos acessórios, maquiagem e cabelo. Tinha tudo no sítio e estava tudo no sítio, nem um único cabelo desalinhado. Tinha uma cara que aparentava ter sido encerada e puxada ao lustre para ai umas 5 vezes. Só após alguns minutos fiquei convencido que se tratava de uma espécie humana e não uma boneca de cera. Só uma super produção da playboy conseguiria produzir uma coisa assim (mas obviamente sem roupa).
Tomem nota que com isto seriam +/- 6:30 horas, e se eu para estar com a minha elegante apresentação tinha saído da cama às 5:00 horas aquela bela obra d´arte não devia ir à cama à 3 noites. Aquilo tinha carradas de mão-de-obra.

Uma coisa do outro mundo e o que ainda me inquietava mais era o facto de embora imaculada, continuamente retirava da carteira um estojo todo artilhado de ferramenta maquilhadora e com ajuda de um pequeno espelho “dava mais uma de mão” na cara e arredores.

O meu cérebro accionou um sistema idêntico ao que os caças de guerra tem para fixar os alvos (só que sem infravermelhos), os meus olhos deixaram de pestanejar e instintivamente comecei a seguir o meu alvo sempre com o dedo posicionado no gatilho do míssil.

Não sei se havia mais miras apontadas ao alvo, o que sei é que na entrada para o avião sofri umas ultrapassagens pela direita e pela esquerda e deixe de avistar o meu alvo. Já dentro do avião devia andar com ar de perdido (ou de atrasado) quando uma simpática hospedeira me tira o bilhete da mão para de seguida apontar o meu lugar. Sempre de periscópio a rodar sem conseguir detectar a minha presa, encaminho-me para o meu lugar e “voilá” sento-me ao lado da beldade. Ela junto à janela e eu junto ao corredor, separados por um lugar vazio e que eu rezava para que não fosse ocupado. As portas fecham-se, o comandante informa que vamos arrancar para chegar a horas, seguem-se as repetitivas instruções do que fazer em caso de acidente (isto se não morrermos antes) e o lugar que nos separa mantém-se vago. Vitória, vitória tocavam os meus sinos dentro da minha cabeça.

E a história devia ficar por aqui e o final imaginado por cada um, mas sempre com um final feliz ou como muitos já estão a imaginar, escaldante. Mas infelizmente o guião da minha vida não serve para fazer nenhuma novela. 

Já o avião voava em cima das nuvens em velocidade cruzeiro e eu germinava no meu cérebro, que estava meio anestesiado e hipnotizado, um esquema para estabelecer um contacto verbal, porque o contacto visual já tinha esgotado a capacidade da minha placa gráfica, quando ouço pela primeira vez a voz da protagonista desta minha história. Interpela a hospedeira que ia a passar no corredor por causa de um perfume que estava à venda na revista da companhia área.

Meus amigos, se naquela altura o avião fosse a pique virado ao chão, toda a gritaria que pudesse ser gerada pelos passageiros, seria mais suave do que aquela voz. Aqueles lábios bué de sensuais, implantados naquela cara esbelta, deixavam sair um som horrível em todos os sentidos. Ela falava fanhoso, com prenuncia vincada do norte, acompanhados de gestos e tiques faciais à José Castelo Branco. Não demorei aperceber-me que a cabeça dela não tinha cérebro (quanto muito tinha a placenta) e por isso era desprovida de qualquer racionalidade. Resumindo para os leigos: não dava uma para a caixa.

Uma coisa horrível e medonha.

A única utilidade que lhe passei a ver era a de misse da claque do FC Porto ou a de objecto de estudo para a especialidade médica de otorrinolaringologista.

Claro está que comecei a temer pela minha saúde mental, ainda por cima a circular a mais de 8 mil metros de altura. Depois de a ouvir mais ou menos 10 minutos a tentar-me explicar a comoção que sentia por ter deixado num hotel para animais o seu inseparável amigo canino, (que o nome não consigo traduzir em palavras), comecei a sentir-me zonzo e agoniado. Desculpei-me com a sonolência que um anti-histamínico me estava a provocar e ferrei o galho até Amesterdão. Quando o avião parou e as portas se abriram levantei-me para a madame passar, sentei-me novamente e esperei 10 minutos para em paz tirar as devidas ilações.

O que é certo, é que o ocorrido serviu-me de lição para o meu dia-a-dia, tornei-me mais séptico e desconfiado. Deixei de dar importância às embalagens e valorizo mais os conteúdos. Quanto ao mulherio faço como os negociantes de gado, abro-lhes a boca para ver se tem alguma coisa dentro da cabeça e dou-lhes uma palmada forte na carroçaria para ver se o chassi é seguro.

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